SILVIO CIOFFI – ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO/IPW25
Há poucos passos do Art Institute de Chicago, o charmoso e bem-organizado American Writers Museum, fundado em 2017 por um irlandês e inspirado num museu similar de Dublin, propicia um mergulho pela vida e obra dos mais talentosos escritores, jornalistas e oradores dos EUA em todos os tempos.
Diminuto, escondido no interior de um prédio comercial, esse museu –arrebatador para os amantes da boa literatura e da história da literatura,–fica na 180 N. Michigan Avenue.
O local desvela talentos e estilos literários de infinidade de autores norte-americanos, rememora suas biografias e seu ideário –e até o engajamento desses intelectuais com movimentos civis, já que alguns deles foram grandes oradores engajados em causas sociais e políticas.




Lá, seja na forma de uma linha do tempo ilustrada com imagens surpreendentes ou em audio-visual, ou ainda em ambientes que lembram uma sala de casa com máquinas antigas de escrever, o visitante se descobre diante de vultos muito conhecidos da literatura e de outrosescritores ainda por descobrir, caso Harriet Beecher Stowe, Paul Laurence Dunbar, William Sidney Porter e Carl Sandburg.
Entre os autores mais reconhecidos mundialmente, Mark Twain, Ernest Hemingway e John dos Passos roubam a cena literária e ocupam um lugar especial no museu.
Já John Muir, nascido na Escócia, um autor filósofo e andarilho ligado à criação do pioneiro Sistema de Parques Naciona (NPS) nos EUA, impressiona por seu engajamento nas causas naturalista e conservacionista.




(Fotos Silvio Cioffi – V!VA)
O American Writers Museum não é uma atração turística para as massas, mas é visita importante para o viajante quem deseja conhecer sobre o universo literário norte-americano e sua relação com o história do país.
Para conferir mais informações e fazer um mergulho à distância, clique no site http://www.americanwritersmuseum.org
MARK TWAIN, OBSERVADOR ARGUTO
Autor que transcende os limites de qualquer museu e referência para muitos autores, Mark Twain foi um dos escritores que ousou entender Chicago e, em 1883, saiu-se com a frase “é inútil para o visitante ocasional tentar acompanhar essa cidade. Ela supera suas profecias mais rápido do que qualquer um pode fazê-las”.
Twain, cujo nome verdadeiro era Samuel Langhorne Clemens (1835-1910), nasceu no Estado do Missouri, e naturalmente ocupa um lugar de destaque nesse museu.





Além de autor de algumas das mais importantes obras literárias dos EUA, caso de “As Aventuras de Tom Sawyer”, ele foi um frasista cuja habilidade com as palavras ainda hoje faz rir e refletir.
Entre o engraçado e o sarcástico, Mark Twain testemunhou a cidade em frenética transformação.
Oficialmente fundada no século 19, a Chicago nascida de um entreposto comercial construído pelo comerciante negro Jean Baptiste DuSable, a partir de 1779, renasceu moderna após o Grande Incêndio de 1871 e, até os anos 1920, viu sua população quadruplicar.
HEMINGWAY, DE OAK PARK PARA MUNDO
Amplamente reconhecido como um dos maiores escritores do século 20, Ernest Hemingway (1899-1961) também tem seu lugar de destaque no American Writers Museum de Chicago –e nasceu em Oak Park, nos arrabaldes da metrópole.
É autor obras clássicas da literatura norte-americana, caso de “Adeus às Armas”(1929) e de “O Velho e o Mar” (1952).
A reportagem visitou também essa casa em que Hemingway nasceu em 21 de julho de 1889.


Essa residência da família de Hemingway foi transformada em museu em 1992 e fica localizada em 339 N. Oak Park Avenue (www.hemingwaybirthplace.com).
Oak Park fica nos arredores de Chicago, mas quem passa mais dias desfrutando a metrópole pode incluir a visita no seu roteiro.
Lá, os passeios acompanhados de guia trazem luz sobre um pouco da intimidade secreta –e algo incômoda– da relação de Ernest Hemingway com sua família.
O charmoso bangalô de madeira em estilo vitoriano de três andares e repleto de fotos foiredecorado com mobiliário de época e rigor histórico.
Essa casa natal de Ernest Hemingway em Oak Park foi construída por seu avô materno, que era inglês, em 1890.
Nascido lá, no quarto da mãe, Ernest lá viveu apenas até os seis anos de idade. Como desdenhava de sua origem burguesa, ao longo de sua vida o autor mentiu sobre a propriedade, dizendo que a casahavia “se transformado num local que vendia hot-dogs.”
Entre os ambientes da elegante casa-museu que pertenceu à família de Hemingway, chamam a atenção os quartos, a cozinha vitoriana, a sala de música e, é claro, o pequeno escritório e biblioteca.


Como convinha à moral vitoriana e à moda inglesa, a biblioteca era o local em que se bebia e fumava, sempre de portas fechadas.O pequeno Ernest viveu apenas na infância, mas respirou esse ar um pouco falso moralista, bem como o cheiro do formol, já que seu pai, Ed, que teve formação universitária, era um cientista e taxidermista amador.
A Guerra Civil Americana –também chamada de Guerra de Secessão, um conflito fratricida que opôs, entre 1861 e 1865, o norte do país (industrializado) e o sul (agrário e escravocrata)– marcou os dois lados da família. Idem, a paixão pela caça e pela pesca, outro ponto de união entre o pai e o avô materno de Hemingway.



A relação entre seu pai e sua mãe, entretanto, era conflituosa. Aos 19 anos, quando já havia se mudado para outra casa próxima, Ernest Hemingway partiu para Milão, na Itália, em plena Primeira Guerra Mundial (1914-1018), se engajando como motorista de ambulância. Ferido no conflito, passou sete meses hospitalizado.
Aos 29, quando Hemingway já era um escritor, seu pai cometeu suicídio. Nada polidamente, o escritor se referia à sua mãe como “that bitch” e, alcoolatra, foi expulso de casa.


A seguir, mudou-se de Chicago para Paris –e seu mote, como escritor, passou a ser “escreva uma sentença de verdades.” E foi na capital francesa que Hemingway conheceu outro escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, romancista e contista que criara fama ao descrever os excessos da era dos jazz.
Foi Scott Fitzgerald que o ajudou a ordenar as idéias contidas no livro “Paris é Uma Festa” (1957), livro de memórias em que Hemingway descreveu o que se convencionou chamar de “Geração Perdida”, alusiva a um grupo de autores que viveram os anos loucos da década de 1920, depois do fim da Primeira Guerra Mundial e da pandemia de Gripe Espanhola.
Pouco antes, em 1954, Ernest Hemingway amealharia o Prêmio Nobel de Literatura “pela influência que exerceu no estilo contemporâneo”, segundo a Academia Sueca.
Depois de uma vida atribulada, deprimido, doente e com problemas de memória, Hemingway, que havia divido seu tempo entre moradias em Cuba e Key West, cometeu suicídio, em 2 de julho de 1961.
Com um tiro de espingarda no céu da boca, ele estava morando em Ketchum, no Estado de Idaho, e lá foi sepultado, enterrado consigo toda uma geração de autores que conviveram um século transformações e marcado por dois conflitos mundias.





NOS PASSOS DE JOHN DOS PASSOS
Outro grande escritor norte-americano cuja história se liga a Chicago, John dos Passos (1896-1970), foi um romancista descendente de portugueses da Ilha da Madeira que nasceu na metrópole.
Tendo estudado na Universidade Harvard, John Roderigo dos Passos coincidentemente foi amigo de Hemingway e, como ele voluntariou-se na Primeira Guerra Mundial e para se tornar motorista de ambulância na Itália, onde se conheceram brevemente.
A amizade entre ambos se solidificou década de 1920, quando, em Paris, John dos Passos, casado com uma paixão de infância de Hemingway, descobriu no seu conterrâneo escritor uma infinidade de afinidades.
Mas a relação entre ambos azedou por razões políticas: Hemingway abraçara o anti-fascismo ao lutar na Guerra Civil Espanhola (1936-1939); Já Dos Passos tinha posições conservadoras –e temia o avanço do comunismo–, tendo publicado, em 1932, o livro “1919”, alusivo aos tempos duros do pós Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Consagrado ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), John dos Passos, escritor, dramaturgo e pintor que também dominava as artes da poesia, tinha preocupações filosóficas e foi mestre da narrativa de viagens, autor, entre outros livros, de “Orient Express” (1927), tornou-se correspondente da revista “Life”, descrevendo as mazelas deixadas pelo conflito mundial numa Alemanha já destruída e derrotada pelas tropas Aliadas.