DO ENVIADO ESPECIAL A TAIWAN
Há cerca de um ano, a tensão política entre a República Popular da China e Taiwan alcançou níveis extremos.
Diante das ameaças de invasão da ilha por parte do governo de Xi Jinping após a visita de Nancy Pelosi à ilha em 2 de agosto de 2022, o mundo democrático teme a eclosão de um novo conflito no Sudeste Asiático.
A então líder do Legislativo americano (presidente da Câmara), Pelosi se encontrou com Tsai Ing-wen, que, eleita em 2016, é a primeira mulher a presidir Taiwan.
A ilha, que a República Popular da China considera uma província rebelde, se transformou numa democracia que luta por sua autodeterminação e cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é considerado muito elevado (0,907).
Os EUA, que têm na República Popular da China, comunista, o principal interlocutor comercial, são aliados políticos de Taiwan –e defendem que a ilha siga seu próprio destino político e econômico.

O maior fabricante mundial de chips TSMC, a gigante de eletrodomésticos e tecnologia Tatung são algumas das corporações que distinguem Taiwan. Dona de um PIB de US$ 589 bilhões, a diminuta ilha tem um impressionante PIB per capita anual de US$ 25 mil.
Diante do impasse sino-taiwanês, até jornais brasileiros, caso da Folha de S.Paulo, decidiram acompanhar mais de perto o desenrolar dessa crise. Nelson de Sá, jornalista da Folha, ocupa, desde fevereiro de 2023, a função de correspondente em Taipé.
Separadas por um estreito de apenas 180 km, a ilha de Taiwan, que os portugueses revelaram ao mundo europeu no século 16, e a China de Xi Jinping vivem um momento de grande distanciamento político.
Em Taiwan, território insular de 36.197 km² onde vivem 23,6 milhões de habitantes, merece, com toda a sua diversidade, ser visitada. (SILVIO CIOFFI)
DE A a Z, EM 51 TÓPICOS, UM MERGULHO NA HISTÓRIA
Herança da Guerra Fria que nasceu após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Taiwan integrou um cinturão que, urdido na Conferência de Ialta, entre os dias 4 e 11 de fevereiro de 1945. Tal conferência acordou, entre as nações Aliadas, a existência dos blocos ocidental, pró-capitalista, e o dos países socialistas, com destaque para extinta União Soviética.
Então, os chefes de Estado do Reino Unido, Winston Churchill; dos EUA, Franklin D. Roosevelt; e Josef Stálin, da União Soviética, decidiram a repartição política do globo entre Oeste e Leste.
Também marcou presença na Conferência de Ialta o generalíssimo Chiang Kai-shek.
Àquela altura, em 1945, ele se opunha a Mao Tsé-tung na luta pelo poder na China continental, que culminou com a vitória dos maoístas na Revolução de 1949.
A história da tensão política entre Taiwan e China tem, portanto, as raízes fincadas na rivalidade entre os nacionalistas liderados Chiang Kai-shek e os comunistas fiéis a Mao Tsé-tung.
Para entender de A a Z toda a complexidade da conturbada relação político-diplomática sino-taiwanesa, acompanhe abaixo a linha do tempo de 51 tópicos. (SC)
1.
Na China continental, a dinastia Tang, entre os anos 618 e 907 d.C., vive um período culto e refinado; depois, entre 960 e 1276, quando a Europa ainda saia da Idade Média, a dinastia Song já ostentava um grande avanço no domínio da ciência e das artes.
2.
Por volta de 1271, o explorador veneziano Marco Polo –cujo pai havia sido comerciante em Istambul–, faz a primeira de suas viagens à China. Seu relato despertou grande interesse nos venezianos e nos seus rivais genoveses.
3.
Em cerca de 1430, o almirante chinês Cheng Ho desembarca na ilha de Taiwan para fugir de uma tempestade. Àquela altura, a ilha era habitada por nativos e, também, por chineses que atravessavam o estreito que a separa da China. Piratas japoneses, os wako, também a conheciam.
4.
Exímios navegadores e construtores de embarcações, em 1517 os portugueses “descobrem” a ilha no bojo da expansão do Império Lusitano e a batizam de ilha Formosa.
5.
Em 1567, 50 anos depois da visita dos lusos, os exércitos da dinastia Ming controlam a ilha, expulsam os corsários japoneses e baixam normas reforçando os laços comerciais em ambos os lados do estreito de Taiwan.
6.
Entrando no mapa-múndi dos europeus em 1570, a ilha de Formosa ganha destaque no atlas do holandês Abraham Ortellius com o nome de Tinhosa, numa possível confusão entre os termos Formosa e Hermosa. Em 1584, o atlas de Ortellius ganha nova versão.
7.
Usando informações recolhidas pelo padre jesuíta italiano Matteo Ricci, é a vez da China publicar um mapa detalhado da ilha de Formosa em 1593.
8.
Conhecidos pelas acuidades dos atlas, os holandeses se superam ao publicar, em1596, no livro Itinerário, do historiador e explorador Jan Huygen van Linschoten, informações cartográficas detalhadas dos territórios do Mar da China.
9.
Durante a dinastia Ming, em 1609, os japoneses miram seu interesse expansionista para a ilha; então o primeiro imperador da era Tokugawa nomeia Arima Haruno para explorar o território formosano. Em 1616, fracassa a expedição de 13 barcos nipônicos à ilha.
10.
No ano de 1623, é a vez dos holandeses invadirem Formosa e instalarem o forte Zeelândia e mudarem a capital para a região onde hoje fica Tainan. Quem visita o Sicao Mangrove, se deparam com resquícios desse forte.
11.
O ano de 1624 marca o nascimento do imperador chinês Koxinga, cuja biografia anota o reforço de laços fortes entre Formosa e o mandarinato da China Continental na época da dinastia Ming.
12.
Os espanhóis também cobiçam a ilha e lá se estabelecem na região Norte, entre 1826 e 1641, ano em que são repelidos pelos holandeses. Desde 1627, a Companhia das Índias Orientais tinha lá como governador Pieter Nuyts.
13.
Por volta de 1650, as gravuras de rara beleza do artista italiano Bernieri mostrando os nativos aborígenes de Formosa –e mencionando o canibalismo– causam furor numa Europa sequiosa por informações sobre terras remotas.
14.
Foi em 1683 que a China, durante a dinastia Qing, finalmente incorporou oficialmente a ilha de Taiwan ao império; em 1700, o cartógrafo veneziano Vincenzo Mario Coronelli publica livro detalhado sobre a ilha, os habitantes e as fortalezas.
15.
Livro do engenheiro da Marinha da França Nicolas Bellin traz a público grande quantidade de mapas detalhados sobre Formosa. O oficial, que era também membro da Real Sociedade Geográfica britânica, se baseou em informações colhidas por padres jesuítas.
16.
Uma edição da London Illustrated News mostra, em 1859, gravuras coloridas retratando em detalhes a pujança da indústria açucareira de Taiwan, um legado das ocupações holandesas e da atuação da Companhia das Índias Orientais na ilha de Formosa.
17.
Coincidentemente, 1887 é o ano em que a ilha de Formosa foi proclamada como Província da China e, também, do nascimento de Chiang Kai-shek, militar nacionalista e que, vencido pelos comunistas de Mao Tsé-tung, iria para Taiwan com 2 milhões de seguidores em 1949.
18.
As escaramuças sino-nipônicas se acentuam em 1894, e os japoneses, então expansionistas, invadem Formosa e guerreiam na península coreana. No ano seguinte, Taiwan é anexado militarmente ao Império do Japão.
19.
Em 1903, sob domínio imperial nipônico, Taiwan é governada por Goto, que constrói em Taipé prédios em estilo colonial japonês, de tijolos vermelhos e detalhes embranco, ainda hoje existentes; ele foi sucedido pelo barão Kodama.
20.
Ainda hoje cultuado nos dois lados do estreito de Taiwan, o intelectual e político Sun Yat-sen, autor de Os Três Princípios do Povo, se torna o primeiro presidente provisório da China em 1912. Na ocasião, o último imperador, Pu Yi, abdica, ponde fim à dinastia Qing.
21.
Em 1923, Sun Yat-sen envia o oficial Chiang Kai-shek a Moscou. Crítico da Revolução Russa de 1917 –e figura em ascensão na China–, o militar se casa em segundas núpcias com Soong Mei-ling, irmã da mulher de Sun Yat-sen.
22.
Os japoneses invadem a Manchúria em 1932 e, cinco anos mais tarde, tomam Tianjin e Pequim, avançando sobre Xangai. A ação militar nipônica sobre a China continental usa bases aéreas localizadas em Taiwan.
23.
Líder do partido Kuomintang (KMT), em 1934, Chiang Kai-shek se encontra com o presidente americano Franklin Delano Roosevelt em Washington (EUA) e, depois, com o premiê britânico Winston Churchill no Cairo (Egito). Na Europa, Segunda Guerra Mundial eclodiria em 1939.
24.
No final de 1941, os japoneses bombardeiam a base de Pearl Harbor, no Havaí (EUA), e, no início do ano seguinte, os americanos entram mais efetivamente no conflito que opunha o Eixo formado por Berlim-Tóquio-Roma e os países Aliados do Reino Unido e dos EUA.
25.
Termina a Segunda Guerra, em 1945, com a derrota da Alemanha nazista e a rendição do Japão após a explosão de bombas atômicas americanas em Hiroshima e Nagasaki; mas, na China, persistem as batalhas opondo os nacionalistas de Chiang Kai-shek e os comunistas de Mao Tsé-tung.
26.
Em 1948, Mao Tsé-tung é eleito presidente da República Popular da China diante da renúncia de Chiang Kai-shek. No ano seguinte, em 1949, a Revolução Chinesa triunfa com a ascensão do Partido Comunista Chinês ao poder na China continental.

27.
Depois de perder a guerra civil na China continental, os nacionalistas de Chiang Kai-shek, as lideranças do seu partido Kuomintang (KMT) e cerca de 2 milhões se seguidores cruzam o estreito e encontram refúgio na ilha de Taiwan, ondem fundam a República da China (ROC).
28.
Instalado em Taiwan, Chiang Kai-shek se declara líder de um governo provisório e segue aspirando à reconquista do poder na China continental, onde a Revolução Cultural dos comunistas de Mao Tsé-tung estava a todo vapor.
29.
Eclode a Guerra da Coreia em 1950, e Taiwan passa a ser protegida mais de perto pelos EUA, que temiam o avanço do comunismo por toda a Ásia. A China comunista apoia a Coreia do Norte, e os americanos avançam pelo Sul da Península Coreana.
30.
Taiwan se lança em empreitada hiper capitalista em 1953 e se torna –ao lado de Singapura, Hong Kong e Coreia do Sul– um dos Tigres Asiáticos nos anos1970/1980. De 1953 a 1974, a população taiwanesa dobrou atingindo a marca dos 16 milhões de habitantes.
31.
A ONU impõe à representação de Taiwan uma derrota diplomática diante dos comunistas: em 1971, a República Popular da China, com sede em Pequim, substitui o governo de Taipé tomando o assento na organização.
32.
Em 1975, morre o líder nacionalista Chiang Kai-shek, sendo sucedido pelo vice-presidente Yen Chia-kan; na eleição seguinte (indireta e manejada pelo partido KMT), o generalíssimo é substituído por seu filho, Chiang Ching-kuo.
33.
Em nova derrota diplomática para Taiwan, em 1978-1979, os EUA reconhecem a República Popular da China, numa demonstração de que o governo de Pequim e sua população gigante se impunha como uma das maiores economias do planeta.
34.
Em oposição ao partido nacionalista Kuomintang (KMT), surge em Taiwan o Partido Democrático do Povo (PDP), em 1986; sinalizando novos tempos na ilha, no ano seguinte a lei marcial é abolida e surgem sindicatos independentes.
35.
Morre Chiang Ching-kuo em 1988. Filho do generalíssimo Chiang Kai-shek e artífice da implantação da infraestrutura de base na ilha de Taiwan, ele seria substituído interinamente pelo moderado político taiwanês Lee Teng-hui.
36.
Em dezembro de 1989, são realizadas as primeiras eleições livres e diretas em Taiwan. O então presidente interino Lee Teng-hui, do KMT, vence com 53% dos votos; o candidato do PDP, de oposição obtém 38% dos votos.
37.
Os partidos KMT e PDP se dividem. Em 1991, a separação definitiva da China continental e a autonomia de Taiwan entram em pauta. A movimentação enfurece o governo de Pequim, que segue considerando a ilha como uma província rebelde e defendendo a unificação.
38.
Representantes dos governos de Taipé e de Pequim se encontram em Singapura em 1993. Tratados mitigando a tensão política entre ambos são ratificados.
39.
Tratados comerciais entre Pequim e Taipé incrementam o comércio bilateral e, em 1995, os taiwaneses investem US$ 22 bilhões na República Popular da China. A seguir, Lee Teng-hui viaja aos EUA em caráter não-oficial e azedam novamente as relações sino-taiwanesas.
40.
Em 1996, a República Popular da China realiza manobras militares próximo à ilha de Taiwan, e os EUA enviam navios de guerra para a região do estreito. Em novas eleições presidenciais, Lee Teng-hui é reeleito.
41.
Hong Kong, cedida por 100 anos pela China ao Reino Unido, retorna para o domínio da China em 1997. A ocasião é marcada por novas demonstrações bélicas por parte de Pequim, que novamente brada contra a independência “de facto” de Taiwan.
42.
Em 1998, o presidente americano Bill Clinton visita Pequim para discutir a entrada dos chineses na Organização Mundial do Comércio (OMC). A China e Taiwan retomam negociações diplomáticas e esfriam a tensão política.
43.
Eleito presidente pelo PDP em 2000, Chen Shui-bian é seriamente advertido pela China, no ano seguinte, para não realizar um referendo para decidir a independência de Taiwan, conforme sua promessa de campanha.
44.
Em 2002, a revista Business Week publica que empresários de Taiwan, à revelia dos governos, havia superado os EUA nos investimentos na China continental, numa prova de que a integração econômica era fato consumado.
45.
A China Airlines, companhia aérea de bandeira taiwanesa, reinicia, em 2003, os voos comerciais entre Taipé e Xangai com escala em Hong Kong. Em Taiwan, o governo clama por um assento na Organização Mundial de Saúde (OMS).

46.
Depois de presidir Taiwan por dois mandatos consecutivos até 2008, o independentista Chen Shui-bian (PDP) é acusado de fraude, lavagem de dinheiro e corrupção, num desfalque que seria de US$ 17 milhões, sendo condenado à prisão perpétua. Em 2015, sua pena foi relaxada.
47.
Entre 2008 e 2016, foi a vez de Ma Ying-jeou, do KMT, ser eleito presidente de Taiwan por dois mandatos consecutivos. Incrementando os transportes ferroviários e o turismo, Taiwan recebeu 10 milhões de visitantes estrangeiros em 2015.
48.
Primeira mulher a ocupar o cargo de presidente em Taiwan, Tsai Ing-wen é eleita em 2016 pelo PDP, numa nova alternância de poder entre independentistas e nacionalistas. Em seu governo, após a visita de políticos dos EUA, ocorreu uma nova escalada de tensões com a China.
49.
Honduras se torna o quinto país latino-americano em apenas seis anos a cortar relações diplomáticas com Taiwan e estabelecer laços com a China. Antes, Panamá, República Dominicana, El Salvador e Nicarágua haviam feito o mesmo a partir de 2017.
50.
Ex-presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou (KMT) inicia, em 27 de março de 2023, uma visita histórica de 12 dias à China em nome da paz. Essa é a primeira viagem de um ex-líder taiwanês ao continente desde a Revolução Comunista de 1949. Recepcionado por autoridades chinesas em Xangai, ele visita Pequim e se encontra com estudantes de intercâmbio.
51.
Na direção oposta, a atual presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen (PDP), embarcou, no dia 29 de março, para os EUA para encontrar o novo presidente da Câmara, Kevin McCarthy.
Publicado em 30 de março de 2023.